8/27/2004

Prosa - novelas de cavalaria

Os primeiros exemplos conhecidos de textos escritos em prosa não podem, na verdade, considerar-se literários dado o seu teor burocrático e administrativo, perfeitamente compreensível se se tiver em conta que pouco mais visavam do que esclarecer quem detinha os direitos de posse sobre determinadas parcelas de terreno. Inicialmente redigida em Latim, essa prosa de carácter tabeliónico passou a ser escrita em Português no reinado de D. Dinis (1261-1325).

Também nos mosteiros, particularmente de Alcobaça e de Santa Cruz (Coimbra), o Português foi progressivamente substituindo o Latim em textos anónimos, iniciados e prosseguidos por diferentes monges, que, através da descrição da vida de santos e de paráfrases da Bíblia, tinham como função promover as virtudes cristãs. Encontra-se já algum valor literário nesta prosa apologética e de edificação, embora a pluralidade de autores dum mesmo texto e o seu teor místico-religioso impeçam a identificação dum estilo e, sobretudo, originalidade na forma.

Não originais mas dignas de menção pelo uso da língua portuguesa são as traduções de narrativas de feitos de cavaleiros. As novelas de cavalaria constituem, não apenas em Portugal, um dos primeiros exemplos de criação literária em prosa. Um dos casos mais populares de novela de cavalaria em Portugal viria, porém, a ser publicado só no início do séc. XVI e tem a particularidade de ser de autor desconhecido [mas geralmente atribuído a Vasco de Lobeira]: Amadis de Gaula relata as aventuras dum cavaleiro corajoso apaixonado por uma dama que, no final, acabará por conquistar.

Autoria: Alcides Murtinheira


8/09/2004

Cantiga de maldizer

Roi Queimado morreu con amor
en seus cantares, par Sancta Maria,
por Da dona que gran ben queria:
e, por se meter por mais trobador,
porque lhe ela non quis ben fazer,
feze-s'el en seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia!


Esto fez el por üa sa senhor
que quer gran ben, e mais vos en diria:
por que cuida que faz i maestria,
enos cantares que faz, á sabor
de morrer i e des i d'ar viver;
esto faz el que x'o pode fazer,
mais outr'omem per ren' nono faria.


E non á já de sa morte pavor,
senon sa morte mais la temeria,
mais sabe ben, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for,
e faz-[s'] en seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria.


E, se mi Deus a mim desse poder
qual oj'el á, pois morrer, de viver,
já mais morte nunca temeria.


Pero Garcia Burgalês, CV 988, CBN 1380

Cantiga de Escárnio

Foi um dia Lopo jograr
a casa duü infançon cantar,
e mandou-lhe ele por don dar
três couces na garganta,
e foi-lhe escasso, a meu cuidar,
segundo como el canta


Escasso foi o infançon
en seus couces partir' enton,
ca non deu a Lopo enton
mais de três na garganta,
e mais merece o jograron,
segundo como el canta.


Martin Soarez, CV 974